Veganismo cresce no Brasil, mas desafios de acesso e custo ainda persistem
Com 7% da população adotando dieta plant-based, brasileiros enfrentam barreiras de preço e disponibilidade
Por: Marcos Flávio Nascimento
01/11/2025 • 07:00
O veganismo vem ganhando força no Brasil e transformando hábitos alimentares, escolhas de consumo e o próprio mercado de alimentos. Segundo pesquisa Datafolha de 2025, 7% dos brasileiros já se declaram veganos, o que representa mais de 15 milhões de pessoas. O dado reforça uma mudança de comportamento que une saúde, ética e sustentabilidade.
O movimento é parte de uma tendência global. Estima-se que o mercado mundial de produtos veganos movimente cerca de US$ 37 bilhões por ano, com previsão de ultrapassar US$ 60 bilhões até 2030, segundo a consultoria Statista. No Brasil, o setor já movimenta cerca de R$ 6 bilhões anuais, impulsionado pela demanda por produtos plant-based, redes de restaurantes e marcas que apostam em alimentação sem origem animal.
Crescimento global e desafios no Brasil
Países como Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos lideram o consumo de produtos veganos, com uma forte indústria voltada à inovação alimentar. No Reino Unido, por exemplo, quase 10% da população já segue uma dieta vegana ou vegetariana, e o mercado cresce mais de 9% ao ano. O Brasil acompanha esse movimento, embora ainda enfrente desafios de acesso e custo fora das grandes capitais, onde os produtos industrializados à base de plantas continuam mais caros.
Em Arembepe, na região metropolitana de Salvador, Gisele Pereira, vegetariana de 26 anos, explica que a escolha pela alimentação sem carne foi prática, não ideológica. “Moro em bairros pequenos, onde a cultura da pesca é forte. Restaurantes e pizzarias raramente oferecem opções veganas. Quando quero algo diferente, acabo optando por queijo ou hambúrguer vegetal”, afirma.
Para ela, o vegetarianismo tende a se manter mais popular que o veganismo, especialmente pela relação emocional das pessoas com a comida. “Muitas comem por prazer, e não apenas por necessidade”, comenta.
Gisele Pereira / Arquivo Pessoal
Ela ressalta que, mesmo com o crescimento do mercado vegano em grandes cidades, a transição completa para o veganismo ainda é um desafio: “Acho que o vegetarianismo sempre será mais forte que o veganismo. Muitas pessoas comem por prazer, não só por necessidade, e preferem manter produtos de origem animal, mesmo com acesso a alternativas plant-based”.
Gisele também desmistifica um mito comum sobre a dieta: “Minha alimentação é simples e nutritiva. Grãos, feijão, lentilha, soja… são baratos e duram bastante. O que encarece é o ultraprocessado industrializado, como hambúrgueres veganos prontos ou leites vegetais caros”.
Veganismo x Vegetarianismo: qual a diferença?
O vegetarianismo exclui o consumo de carnes, mas ainda permite derivados de origem animal, como ovos, leite e mel. Já o veganismo vai além da alimentação e representa um estilo de vida que rejeita qualquer forma de exploração animal, abrangendo roupas, cosméticos e produtos de limpeza.
A transição entre os dois costuma ser gradual. Muitos vegetarianos se tornam veganos após conhecerem mais sobre o impacto ambiental e ético do consumo de origem animal. Segundo levantamento da Sociedade Vegetariana Brasileira, 62% dos novos veganos afirmam ter iniciado a mudança por motivos éticos, enquanto 28% apontam razões de saúde e 10% por preocupação ambiental.
Saúde e nutrição: cuidados essenciais
Segundo a nutricionista Radyne Viana, uma das principais preocupações de quem adota o veganismo é garantir a ingestão adequada de micro e macronutrientes, como proteínas, ferro, cálcio, zinco, iodo, vitamina D e, principalmente, vitamina B12, presente quase exclusivamente em produtos de origem animal.
Radyne Viana / Arquivo Pessoal
Ela afirma que é possível manter uma alimentação vegana saudável, mas alerta para a necessidade de acompanhamento: “Qualquer estilo de vida, vegano ou não, precisa de atenção para suprir todas as necessidades nutricionais. Pacientes com histórico de anemia ou desnutrição exigem cuidados redobrados”. Radyne também destaca a relevância das PANCs (plantas alimentícias não convencionais) como alternativas proteicas e nutritivas, citando o ora-pro-nóbis como exemplo.
Além da saúde, fatores ambientais têm impulsionado a adesão ao veganismo. “O desmatamento e a exploração animal despertam consciência. Cada vez mais pessoas optam por um estilo de vida que cause menos impacto, tanto ambiental quanto ético”, acrescenta a nutricionista.
Empreendedorismo e sabor: a experiência de restaurantes veganos
O crescimento do veganismo também movimenta o setor de alimentação. João Paulo Rangel, dono do Rango Vegan, restaurante no bairro do Santo Antônio Além do Carmo. Fundado em 2006 que começou como cooperativa, hoje é referência em Salvador, explica que o público do restaurante não é exclusivamente vegano: “Muitos clientes vêm em busca de sabor ou alimentação mais saudável, e nem todos adotam o veganismo integralmente. Mas é ótimo ver que mais pessoas estão se tornando conscientes sobre a exploração animal e os impactos ambientais”.
Rango Vegan / Sheila Brasileiro
Rangel aponta os principais desafios do setor: “Empreender no Brasil é complicado. Encontrar insumos sem origem animal, como leites vegetais e chocolates, é difícil e caro, mas uma alimentação vegana baseada em frutas, legumes e leguminosas não é cara. O que encarece são produtos ultraprocessados”, reforça o ponto apresentado por Gisele.
Entre os pratos mais elogiados do Rango Vegan estão a feijoada, opções de comida árabe, coxinhas e sobremesas como tortas de chocolate e banoffee. Para ele, o crescimento do veganismo é uma oportunidade de gerar impacto positivo: “Quanto mais pessoas adotam esse estilo de vida, menos animais são explorados e maior é a preservação do planeta”.
Apesar do crescimento expressivo, a adoção do veganismo no Brasil ainda depende de fatores como acessibilidade, custo e educação alimentar. Com iniciativas como restaurantes especializados, educação nutricional e maior oferta de produtos plant-based, o país caminha para um cenário em que o veganismo deixa de ser apenas tendência para se consolidar como escolha consciente e sustentável.
