Afastamentos por doenças mentais disparam e expõem rotina de trabalho
Categoria bancária concentra maior índice de afastamentos
Por: Iago Bacelar
01/09/2025 • 08:51
Os afastamentos por doenças mentais na Bahia cresceram mais de 200% em dez anos. A concessão de benefícios previdenciários passou de 5.020 em 2014 para 15.189 em 2024, segundo dados do SmartLab BR, plataforma do Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a OIT e ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego.
Fatores que impulsionaram o crescimento
A pandemia da covid-19, o avanço do teletrabalho, o uso de tecnologias e a plataformização dos ambientes de trabalho estão entre os principais fatores que explicam o aumento.
A procuradora do trabalho Carolina Novais explica que o crescimento foi mais intenso entre 2022 e 2024.
“Foi um aumento bem expressivo, principalmente se você considerar o panorama de 2022 a 2024, que pega o final da pandemia e teve um papel fundamental no estímulo a esse aumento, com a questão da plataformização dos ambientes de trabalho, o uso da tecnologia e o teletrabalho. Tudo isso facilita muito a vida das pessoas, mas também é um fator que gera adoecimento e aumento dos afastamentos”.
Impactos nas relações e no ambiente laboral
A psiquiatra Simone Paes, do Idomed, destaca que o convívio entre as pessoas tem gerado sofrimento e que as exigências atuais intensificaram os problemas.
“Isso acontece em todos os âmbitos, desde o escolar. Quando chega a nível de trabalho, tem se exacerbado porque as vulnerabilidades se encontram. A gente está tendo maior número de assédios e metas para bater. Exigências sempre existiram, mas a forma agora tem gerado sofrimento maior”.
Categorias mais atingidas
Entre 2014 e 2024, os setores com mais afastamentos foram bancos múltiplos com carteira comercial (21,8%), administração pública (14,1%) e atividades hospitalares (10,1%).
Somente em 2024, os bancários responderam por 26% dos casos, seguidos por 11% em atividades hospitalares e 10,8% na administração pública.
O presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Augusto Vasconcelos, afirma que a cobrança excessiva, a competitividade e o risco de substituição por tecnologias impactam diretamente os trabalhadores.
“Com o advento também das novas tecnologias, a situação tem se agravado. Paira sempre uma ameaça constante de substituição dos trabalhadores por máquinas, por algoritmos e por operações automatizadas baseadas em inteligência artificial. Este sentimento acaba também gerando apreensão, abrindo brechas para o desenvolvimento de adoecimento psíquico”.
Acesso facilitado aos benefícios
A médica do trabalho Ana Paula Teixeira explica que hoje há maior facilidade para acessar os benefícios de afastamento. O sistema Atestmed, lançado pelo Ministério da Previdência Social, permite análise remota de atestados médicos sem necessidade de perícia presencial.
Ela também destaca que fatores externos, como redes sociais, violência e instabilidade política, intensificam o cenário.
“Nós também precisamos lembrar que a gente vive em um contexto socioeconômico com as telas, as redes sociais, a solidão crescente, as fake news, a instabilidade política e a violência. Então a gente vive nesse mundo instável, frágil e acelerado que também contribui para o aumento dos transtornos mentais".
Doenças mais registradas
Nos casos acidentários, transtornos de ansiedade representam 33,2% dos afastamentos. Em seguida aparecem reações ao estresse grave e transtornos de adaptação (27,9%) e episódios depressivos (20,1%).
O psiquiatra Lucas Alves, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, lembra que o burnout não é classificado como doença, mas pode anteceder quadros de adoecimento mental.
“É uma sensação de esgotamento no trabalho, que muitas vezes vem antes da doença mental. O indivíduo não consegue lidar com essa sobrecarga no trabalho e começa a ter sintomas".
Diferenças individuais e impactos familiares
A psicóloga Mariza Monteiro, da Afya Salvador, reforça que a forma como cada pessoa lida com pressões internas e externas é determinante.
“Cada pessoa tem uma história, uma memória relacional que a gente não traz só para o trabalho".
Ela acrescenta que pressões familiares e pessoais também interferem na resposta ao ambiente profissional. “Pessoas na mesma equipe podem entregar as tarefas com mais pressão ou menos pressão. Tem pessoas que precisam ser estimuladas o tempo inteiro, que alguém pressione para que elas possam funcionar. Outras, não. Outras pessoas têm uma pressão interna muito grande e já não convivem bem com essa pressão externa".
Caminhos de tratamento e prevenção
Especialistas apontam que o atendimento clínico é essencial e pode envolver psicoterapia, mudanças de hábitos ou uso de medicação em casos de maior complexidade. Para a médica Ana Paula Teixeira, exames ocupacionais periódicos podem identificar precocemente a necessidade de tratamento.
“É importante que essa situação sirva de alerta para a empresa rever os seus estressores, os riscos ocupacionais e tomar medidas efetivas. Quando a pessoa se afasta pelo INSS, acima de 15 dias, e retorna ao trabalho, é muito importante que haja um acolhimento, um respeito por esse retorno".
Ações do MPT e mudanças na legislação
Entre 2020 e 2025, o MPT instaurou 50 inquéritos civis e nove ações judiciais sobre saúde mental no trabalho. A procuradora Carolina Novais explica que a nova legislação reforça as medidas contra o assédio moral e o cuidado com a saúde dos trabalhadores.
“Um ambiente assediador é propício ao adoecimento”. Ela destaca ainda que o teletrabalho pode se tornar um fator de risco quando não há atenção a aspectos como ergonomia e limites de jornada.
A Lei nº 14.457/2022 obriga empregadores a combater o assédio moral. Já a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que exige medidas preventivas de proteção à saúde mental, entrará em vigor em 2026.
Relacionadas