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Enterro solitário expõe trajetória de abandono de jovem morto por leoa

Gerson Machado, o “Vaqueirinho”, viveu entre instituições, ruas e falta de tratamento antes de morrer em cela na Paraíba

Por: Redação

02/12/202512:46

O corpo de Gerson de Melo Machado, 19 anos, conhecido como “Vaqueirinho”, foi sepultado na tarde desta segunda-feira (1º) no Cemitério do Cristo, em João Pessoa. O funeral, marcado pelo silêncio e pela ausência de pessoas próximas, contou apenas com a presença da mãe, Maria da Penha Machado, e de uma prima, um retrato final de uma vida marcada por abandono, adoecimento mental e sucessivas falhas na rede de proteção.

Foto Enterro solitário expõe trajetória de abandono de jovem morto por leoa
Foto: Reprodução

Antes do sepultamento, a mãe, que perdeu o poder familiar há mais de uma década devido ao seu próprio quadro de esquizofrenia, precisou reconhecer o corpo no Instituto Médico Legal. O ritual breve e discreto refletiu a história de vulnerabilidade que acompanhou Gerson desde a infância.

A trajetória de “Vaqueirinho” começou a se fragmentar cedo. A mãe perdeu a guarda de todos os filhos, e o nome dela chegou a ser retirado da certidão de nascimento para facilitar uma possível adoção, que nunca se concretizou. Enquanto os irmãos encontraram novas famílias, Gerson passou anos em instituições de acolhimento, frequentemente rejeitado devido aos sintomas psiquiátricos que já davam sinais.

Verônica Oliveira, conselheira tutelar que acompanhou o jovem por anos, lembra que ele frequentemente fugia dos abrigos em busca da mãe, acreditando que seria recebido por ela. Aos 12 anos, após uma dessas fugas, foi encontrado sozinho às margens de uma rodovia. Avaliações da época já indicavam comportamentos psicóticos e dificuldade de construir vínculos, embora o diagnóstico formal de esquizofrenia só tenha sido feito mais tarde.

Ciclo de vulnerabilidade

Sem tratamento adequado e com passagens descontínuas por serviços de acolhimento, Gerson passou longos períodos em situação de rua. Dormia em praças, sobrevivia pedindo comida e, segundo familiares, buscava ser detido para encontrar abrigo e segurança. Ele conhecia o diretor de um presídio da região e dizia sentir-se protegido ali.

A prima Ícara Menezes afirma que “Vaqueirinho” evitava qualquer envolvimento com violência, mas era constantemente alvo de agressões e exploração.

“Ele nunca assaltou para usar droga. Ele tinha problemas psicológicos e os outros se aproveitavam. Ele queria amor, queria carinho”, relata.

A vulnerabilidade o levou a furtos e a episódios de delírio envolvendo animais, uma obsessão que marcou sua história. Em certo momento, tentou se esconder no trem de pouso de um avião para viajar clandestinamente até a África, onde dizia que se tornaria domador de leões. Em outra ocasião, só aceitou retornar ao acolhimento institucional levando consigo um cachorro encontrado nas ruas.

O sepultamento solitário reforçou o retrato de um jovem que, apesar das inúmeras tentativas de ajuda, nunca encontrou um lugar seguro para existir.