Mentir afeta o cérebro e pode causar problemas emocionais
Prática contínua reduz sensibilidade e ativa áreas ligadas ao estresse
Por: Iago Bacelar
04/07/2025 • 13:00
A mentira, quando recorrente, pode impactar profundamente o funcionamento do cérebro e o equilíbrio emocional, alertam especialistas. Embora muitas vezes seja minimizada no cotidiano, mentir exige mais do que simplesmente ocultar a verdade. O ato aciona diversas áreas cerebrais, demanda esforço cognitivo e, com o tempo, pode resultar em alterações comportamentais e psíquicas.
Segundo a neurologista Natalia Nasser Ximenes, do Hospital Santa Lúcia e membro da Academia Americana de Neurologia, a prática da mentira envolve lóbulos frontais, núcleos da base e amígdala cerebral, todas áreas ligadas às emoções e ao comportamento social.
"Mentir exige um esforço cognitivo maior do que dizer a verdade. É preciso criar uma nova história, lembrar dessa versão e ainda guardar a verdade real. Tudo isso sobrecarrega o cérebro", explica a neurologista. Ela acrescenta que, ao longo do tempo, essas regiões podem se tornar menos responsivas, tornando o ato de mentir mais automático e menos incômodo do ponto de vista emocional.
Impactos emocionais afetam a percepção ética
Além da sobrecarga neurológica, há consequências psíquicas importantes. O psiquiatra André Botelho, do Hospital Sírio-Libanês, afirma que a mentira reiterada pode enfraquecer a experiência da culpa, um sentimento essencial para manter os limites éticos e a identidade pessoal.
"O cérebro vai se acostumando, e a emoção que antes incomodava vai sendo silenciada", explica. Segundo ele, essa dessensibilização emocional pode afastar a pessoa da própria noção de certo e errado, comprometendo sua bússola moral.
A repetição do comportamento pode ainda estar relacionada a quadros mais graves. Em alguns casos, o hábito de mentir pode evoluir para pseudologia fantástica, um transtorno no qual a pessoa mente de forma impulsiva e frequente, sem uma justificativa clara. Nesses quadros, a mentira deixa de ser uma escolha consciente e passa a representar uma resposta distorcida à realidade, o que exige acompanhamento psiquiátrico.
Corpo também sofre reações físicas ao mentir
A mentira também afeta o corpo, com respostas fisiológicas similares às do estresse. Durante o ato de mentir, é comum que o cérebro ative áreas ligadas ao medo de ser descoberto, gerando sintomas imediatos como tremores, sudorese e aceleração dos batimentos cardíacos.
De acordo com Ximenes, o estresse gerado pela necessidade de sustentar uma mentira por tempo prolongado pode provocar ainda insônia, ansiedade e angústia, prejudicando o bem-estar geral do indivíduo.
Autoconhecimento pode ajudar a romper o ciclo
Apesar dos efeitos negativos, especialistas destacam que é possível reverter os impactos emocionais e neurológicos da mentira habitual. Práticas como mindfulness, psicoterapia e autocompaixão guiada são recomendadas para quem deseja romper com esse padrão e retomar a relação com a verdade.
Essas estratégias ajudam a reconhecer e lidar com a culpa, favorecendo uma reconexão com a própria história e com os fatos. Botelho afirma que, apesar do desconforto, a culpa pode servir como sinal de retorno ao equilíbrio interno.
"Mentira e culpa andam juntas. Lidar com a culpa é, antes de tudo, um movimento em direção à verdade — não apenas dos fatos, mas de si mesmo", conclui o psiquiatra.
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