Um registro de entrada falsa nos Estados Unidos, publicado duas vezes desde 2024 no site oficial da CBP (Alfândega e Proteção de Fronteiras) em Orlando, tem sido usado para justificar a prisão e restrições judiciais impostas ao ex-assessor internacional de Jair Bolsonaro, Filipe Martins. A alegação da CBP de que ele teria ingressado nos EUA em 30 de dezembro de 2022 é contestada por dados de geolocalização do celular, recibos de cartão de crédito e lista de passageiros de um voo que partiu do Brasil apenas no dia 31 daquele mês. As informações e dados foram publicados pelo portal americano WSJ.
Após denúncia, o Departamento de Segurança Interna (DHS) dos EUA concordou que Martins não poderia estar em dois locais ao mesmo tempo. O registro foi removido em junho de 2024, mas reapareceu neste mês no portal da CBP, reacendendo questionamentos sobre a origem do documento.
Moraes usa entrada falsa para justificar prisão
No Brasil, Martins é investigado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, sob suspeita de integrar uma tentativa de golpe de Estado supostamente articulada por Bolsonaro. O registro falso da CBP é apontado como prova de que Martins teria saído do país de forma clandestina.
“Como não há registro de saída do Brasil, Moraes afirma que a entrada nos EUA demonstra que ele poderia fugir novamente”, diz trecho do processo. Desde março de 2024, a narrativa da CBP tem sido usada para classificá-lo como risco de fuga, mantendo-o sob prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica em Ponta Grossa (PR).
Documento apresenta erro de nome e passaporte
A advogada de Filipe Martins, Ana Bárbara Schaffert, tentou obter o formulário I-94, documento eletrônico que registra legalmente a entrada de estrangeiros nos EUA. Em abril de 2024, a CBP de Orlando afirmou que não havia registro de entrada em dezembro de 2022, mas reconhecia uma viagem anterior, em setembro de 2022, pelo aeroporto JFK, em Nova York.
Contudo, duas semanas depois, a advogada foi surpreendida com a reaparição do registro de dezembro, com erro de grafia no nome de Martins e uso de um passaporte declarado como perdido em 2021. O formulário I-94 fraudulento foi usado para mantê-lo preso por 183 dias, mesmo após a exclusão do dado falso pelo próprio site da CBP.
Defesa cobra responsabilização
A defesa de Martins afirma que a CBP se recusa a revelar quem criou os registros falsos. A advogada apresentou queixa ao inspetor-geral da Segurança Interna dos EUA e dois pedidos com base na Lei de Liberdade de Informação (FOIA) para identificar o responsável e a data de inserção dos dados.
Sem retorno efetivo, entrou com ação judicial na Flórida. Como resposta, as autoridades entregaram os documentos solicitados, mas ocultaram os nomes e datas. Procurado, o DHS alegou que não pode comentar o caso por estar em litígio.
“Recebemos uma resposta genérica dizendo que não havia informações para responder”, afirmou Schaffert.
Reaparição do registro reacende debate
Neste mês, a CBP voltou a exibir o registro de entrada fraudulento, com os mesmos erros anteriores. Para a defesa, a republicação serve como reforço da narrativa usada por promotores brasileiros, que continuam citando o "histórico de viagens" da página da CBP, mesmo sabendo que ela não tem valor legal.
Martins segue proibido de deixar sua cidade, dar entrevistas e usar redes sociais. O STF não reconheceu oficialmente o erro da CBP e mantém as restrições.
Caso é ligado a fragilidade de delações
O caso de Martins ocorre enquanto o STF baseia parte das investigações sobre Bolsonaro em delações premiadas. Porém, em março, um áudio vazado mostrou que uma das principais testemunhas teria sofrido pressão para depor contra o ex-presidente.
Na última audiência pré-julgamento, Martins afirmou que sua prisão foi usada para forçá-lo a colaborar. Disse ainda que as condições da detenção foram desumanas, o que reforça a hipótese de abuso judicial.
Possível interferência política em órgão americano
O caso também levantou suspeitas sobre uma possível interferência política dentro da CBP por interesses brasileiros. Não há motivação aparente para que autoridades americanas tenham inventado uma viagem inexistente, mas alguém dentro do órgão poderia ter agido a pedido de atores políticos do Brasil.
Diante da gravidade, especialistas defendem que o DHS investigue a fundo como e por que o registro falso foi criado e reapresentado. A ausência de explicações públicas aumenta a desconfiança sobre a integridade do processo.
A questão agora é saber se os Estados Unidos investigarão a responsabilidade ou se permitirão que um registro fabricado continue impactando uma investigação judicial estrangeira.
