Câncer de próstata em mulheres trans reacende debate sobre cuidados essenciais
Diagnóstico de Laerte Coutinho expõe riscos pouco discutidos e a urgência do rastreamento adequado
Por: Redação
17/11/2025 • 09:00
A descoberta de câncer de próstata em mulheres trans para Laerte Coutinho, trouxe à tona uma conversa que ainda avança devagar na saúde pública. Em setembro de 2023, a cartunista recebeu o resultado da biópsia após um PSA alterado. Ela tem 72 anos, se identifica como mulher, mas mantém estruturas fisiológicas masculinas, como a próstata. A condição, associada historicamente ao universo masculino, reforça uma urgência: mulheres trans também precisam realizar exames preventivos.
Ao recordar o impacto da notícia, Laerte afirma que mulheres trans precisam compreender que possuem próstata e um organismo que demanda cuidados específicos. A artista, que não realizou cirurgia de redesignação sexual nem terapia hormonal, apresenta o mesmo risco oncológico de um homem cis.
Histórico e negligência agravam riscos
Cerca de duas décadas antes, Laerte já havia enfrentado uma hiperplasia prostática benigna. O aumento da glândula provocou dores e retenção urinária severa, resolvidas após uma raspagem conhecida como ressecção transuretral da próstata. Por ter vivido um problema benigno, a cartunista passou anos acreditando que o risco era menor do que realmente era. Isso contribuiu para que o acompanhamento falhasse.
Na própria avaliação, houve negligência. Ela reconhece que deveria ter mantido o rastreio, mas não o fez. Ao refletir sobre seu comportamento, comenta que carrega uma cultura masculina internalizada e que esse ideário ensina que homens não precisam procurar médicos. Para ela, romper esse mito é parte do enfrentamento que mulheres trans também precisam fazer para sobreviver.
A transição e os riscos oncológicos
O processo de transição não elimina a próstata. Esse ponto é essencial e frequentemente ignorado ou romantizado dentro e fora da comunidade trans. Especialistas ressaltam que, mesmo em cirurgias de redesignação sexual, o órgão permanece devido aos riscos envolvidos na retirada, como sangramentos e incontinência, além da falta de benefícios reais para a saúde da mulher trans.
Com relação à terapia hormonal, urologistas explicam que o uso de estrogênio e progesterona reduz a produção de testosterona, hormônio diretamente relacionado ao desenvolvimento do câncer. Isso diminui o risco, embora não elimine completamente a possibilidade da doença. Estudos recentes indicam que mulheres trans em hormonização podem apresentar risco de duas a dez vezes menor, mas ainda há falta de consenso científico.
Tratamento e impacto emocional
A cirurgia escolhida para Laerte foi uma prostatectomia radical por laparoscopia, realizada em dezembro de 2023. A decisão priorizou controle oncológico e expectativa de cura. Mesmo assim, as sequelas afetam seu cotidiano. Ela relata enfrentar incontinência urinária severa, condição que tenta administrar com fisioterapia pélvica desde o fim do ano passado. A uretra, segundo ela, ainda se adapta ao novo cenário.
Ao comentar o diagnóstico, Laerte afirma que o câncer de próstata é administrável quando tratado corretamente. A cartunista avalia que a doença se torna perigosa apenas quando ignorada. Esse entendimento reforça a mensagem que ela vem repetindo: prevenção salva vidas, inclusive as de mulheres trans.
Desinformação médica e invisibilidade estruturada
A discussão sobre saúde trans também evidencia falhas profundas na formação médica. Profissionais como a psicanalista Letícia Lanz destacam que existe uma idealização da mulher trans perfeita, narrativa que ignora características biológicas reais, como a presença da próstata. Esse imaginário cria tabus e silencia exames essenciais.
Além disso, ela pontua que a maioria dos médicos brasileiros se forma sem qualquer contato obrigatório com estudos de gênero. Isso gera insegurança clínica, má orientação e invisibilidade de demandas específicas. Mesmo especialistas bem informados enfrentam ausência de protocolos padronizados para rastrear câncer de próstata em mulheres trans, cenário confirmado por urologistas que atuam com essa população.
Cuidado contínuo como forma de sobrevivência
Ao refletir sobre sua própria trajetória, Laerte resume o que aprendeu: o corpo trans precisa de cuidado integral, sem tabus e sem idealizações. O recado ecoa entre especialistas. O rastreamento ideal para mulheres trans segue as recomendações dos homens cis, com PSA anual a partir dos 50 anos, ou 45 em casos de risco familiar, obesidade ou origem afrodescendente. Ignorar a prevenção significa abrir espaço para diagnósticos tardios e desfechos mais graves.
*Com informações da Folha de São Paulo
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