Apesar de discurso de Lula, Brasil mantém dólar em quase todas as exportações
Dados mostram que o dólar ainda domina exportações e importações brasileiras
Por: Iago Bacelar
23/07/2025 • 08:19
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem defendido que o Sul Global busque alternativas ao uso do dólar nas transações internacionais. A proposta foi reforçada após o anúncio, pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, da aplicação de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras. Apesar do posicionamento, 95,48% das exportações do Brasil em 2024 foram realizadas em dólar, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Brics discutem nova moeda, mas comércio brasileiro segue dolarizado
Durante entrevista ao Jornal Nacional, Lula afirmou que os países do Brics cogitam uma moeda própria para reduzir a dependência da moeda americana.
“Queremos ter independência nas nossas políticas, queremos fazer comércio mais livre e as coisas estão acontecendo de forma maravilhosa”, declarou o presidente, ao reiterar o desejo de um novo sistema internacional menos centralizado no dólar.
Na prática, porém, o dólar continua sendo a principal moeda em quase todas as operações comerciais do Brasil. Em 2024, foram US$ 323,2 bilhões em exportações e US$ 211 bilhões em importações realizadas principalmente com a moeda americana. Nos últimos cinco anos, a participação do dólar nas importações brasileiras chegou a 81,69%.
Participação de outras moedas nas transações internacionais
De acordo com a Secex, o euro aparece como segunda moeda mais utilizada nas transações brasileiras. Nas importações, ele representou 9,06%, enquanto nas exportações, apenas 2,71%. O real também é pouco utilizado, com 1,48% das exportações e 6,41% das importações. Outras moedas, como libra esterlina, iene e renminbi chinês, têm participação ainda mais reduzida.
Participação das moedas nas exportações brasileiras:
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Dólar: 95,48%
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Euro: 2,71%
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Real: 1,48%
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Libra esterlina: 0,12%
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Iene: 0,08%
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Outras: 0,13%
Participação nas importações brasileiras:
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Dólar: 81,69%
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Euro: 9,06%
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Real: 6,41%
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Iene: 0,71%
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Renminbi chinês: 0,42%
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Outras: 1,71%
Especialistas analisam viabilidade de mudança
Para o economista Robson Gonçalves, professor da FGV, a proposta de Lula é comparável à formação do euro, iniciada por uma articulação política que evoluiu ao longo de duas décadas. Ele avalia que os Brics estão na fase de estudos e discursos sobre a substituição do dólar, e que essa transição é “natural”.
“Se os Estados Unidos vão ser um destino menos importante para as nossas exportações, por que a gente vai continuar ancorando os contratos em dólar? O ingrediente de política externa que nos empurra nessa direção foi acrescentado por esse absurdo dessa tarifa do Trump”, afirmou Gonçalves, em referência à sanção de Trump.
Segundo o economista, o uso do dólar impõe custos de transação e riscos de flutuação cambial. Ele defende que contratos assinados diretamente nas moedas dos países envolvidos são mais eficientes e ajustados à realidade de um mundo multipolar.
Desafios estruturais dificultam substituição do dólar
Na avaliação do especialista em comércio exterior Jackson Campos, a substituição do dólar exige infraestrutura financeira adequada, mecanismos de compensação entre moedas e confiança institucional entre os países. Ele aponta a volatilidade cambial, a falta de liquidez internacional e a ausência de sistemas globais integrados como barreiras à desdolarização.
Apesar disso, Campos vê vantagens no uso do real em transações internacionais. Segundo ele, isso reduziria a exposição ao dólar, diminuiria custos com hedge e fortaleceria a posição comercial brasileira.
Sobre a proposta de uma moeda comum no Mercosul, ele considera os obstáculos fiscais e monetários significativos. Para Campos, a ideia “parece mais uma pauta política do que um projeto com base técnica consolidada”.
Postura brasileira é vista como arriscada
Para o professor da ESPM, Fábio Pereira de Andrade, Lula assumiu uma posição de defesa do Sul Global, em linha com propostas da China. Ele avalia que o presidente brasileiro pode ter abraçado com entusiasmo a ideia de moeda alternativa defendida pelos chineses.
“O presidente Lula parece que levou muito a sério, mais a sério do que outros membros do Brics, a proposta chinesa de ter uma moeda alternativa em relação ao dólar”, afirmou o professor.
Ele reconhece que a transição é viável, mas complexa. Em sua visão, a substituição do dólar implicaria na troca de hegemonia financeira, o que envolve riscos.
“O Brasil deu o famoso passo à frente pelo amigo e está correndo risco de forma desnecessária”, concluiu Andrade.