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Clubes de leitura fortalecem comunidades e renovam hábito em Salvador

Atividade consiste na reunião de leitores para trocar experiências e debater assuntos

Por: Sued Mattos

29/10/202508:00Atualizado

Quando disse que "Quem gosta de ler não morre só", Ariano Suassuna reforçou nas suas palavras, responsáveis por alguns dos maiores clássicos da literatura nacional, o caráter democrático e universal do ato.

Foto Clubes de leitura fortalecem comunidades e renovam hábito em Salvador
Foto: Reprodução/Instagram Leia Mulheres Salvador

E ao invés do hábito solitário, a formação de clubes do livro ou clubes de literatura, formados por pessoas que se reúnem regularmente para debater e compartilhar reflexões sobre livros que todos se propuseram a ler, transformam um hábito, por muitas vezes solitário, em um lugar de encontro, escuta e partilha.

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São nesses espaços que os leitores compartilham suas vivências, traumas, dores, experiências, visões de mundo e essa troca tem ajudado no fortalecimento de comunidades

“Os clubes de leitura podem ajudar a democratizar o acesso à literatura e transformar a leitura, muitas vezes solitária, em um espaço de convivência e diálogo. Historicamente, a leitura já foi um ato mais coletivo: lia-se em voz alta em praças, salões, escolas e outros espaços comuns; livros e jornais circulavam de mão em mão, alimentando conversas, debates e formas de sociabilidade”, explica Júlia Morena Costa, integrante do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura da UFBA.

Os clubes como incentivadores à leitura 

Os clubes do livro tentam remar contra uma maré em que 53% dos brasileiros não são leitores e 47% leem. Os números indicam que os leitores não são maioria no país, de acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro. Desses leitores, apenas 42% são da Bahia. 

“Essa dimensão comunitária da leitura, que foi se perdendo com o avanço da leitura silenciosa e individual, se fortalece hoje nos clubes de leitura, nas rodas literárias, nos saraus e slams e nos encontros em torno dos livros. Ao compartilhar impressões, interpretações e afetos, as leitoras e leitores exercitam a escuta, o debate e a construção coletiva de sentido”, elucida a docente. 

De acordo com o Instituto Pró-Livro, 15% dos leitores brasileiros disseram que a origem do gosto pela literatura veio da participação de grupos, oficinas ou clubes de leitura. O número evidência a importância da leitura em grupo e a influência que esses encontros têm.

Leia Mulheres Salvador / Instagram

Leia Mulheres Salvador / Instagram


A professora Júlia Costa destaca ainda que os clubes de livros ampliam o repertório cultural e podem ser espaços de incentivo à leitura de autoras e autores menos conhecidos, de ampliação do repertório cultural e de fortalecimento da cena literária local.

“Em um país em que a leitura ainda enfrenta tantos obstáculos, os clubes funcionam como pequenas comunidades de incentivo à criação, à linguagem e ao pensamento crítico, reafirmando que ler é também uma forma de estar junto e de construir o comum”, diz Costa.

Entre as iniciativas existentes na Bahia, está o "Leia Mulheres Salvador", grupo de leitores que se reúnem mensalmente para falar de literatura feminina. Apesar do nome, o grupo inclui leitores e leitoras. 

Mulheres no centro da literatura

Com indicações ao Prêmio Jabuti 2025 na categoria “Fomento à Leitura” e com presença em mais de 100 cidades, incluindo Salvador, o "Leia Mulheres" chegou na capital baiana por iniciativa de Ilmara Fonseca, mediadora do clube na capital baiana, e mais quatro mulheres apaixonadas por literatura.

O clube tem como critério principal a seleção de livros escritos por mulheres, mas esse não é o único critério. 

“Não apenas um livro escrito por mulheres, mas um livro que traga uma temática, que, digamos assim, mobilize as discussões, seja uma temática relevante, uma temática atual”, explica Ilmara Fonseca. 

De acordo com a pesquisa, 49% dos leitores são mulheres, ou seja, o público feminino tem a necessidade de se sentir representado pelas histórias, de ouvir, de ser acolhido. 

“Um clube do livro que se propõe a ler obras escritas por mulheres, dando visibilidade a elas, é muito importante. Como mulher, me identifico muito com os temas e abordagens. É enriquecedor e contribui para o meu maior entendimento de todas as faces do feminino”, explica Daniela Onnis, integrante do clube do livro.

Leia Mulheres Salvador / Instagram

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Fonseca destaca também que ela e as outras mediadoras estão sempre atentas aos lançamentos do mercado editorial femino para que o clube esteja atualizado nas discussões

“A gente tem um grupo no WhatsApp, tem um Instagram, tem as redes sociais, e as pessoas estão sempre dando indicações de livros, e a gente também está bem atento ao mercado editorial, bem atento ao que está sendo escrito, o que está sendo produzido”, elucida a mediadora do Leia Mulheres. 

Na perspectiva de entender o mundo e como essas transformações sociais influenciam na escrita dos livros, a professora e Doutora Júlia Morena Costa, integrante do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura da UFBA, destaca a importância da literatura.

“A leitura nos permite experimentar outras possibilidades e nos aproximar a realidades que não são as nossas, assim como também nos permite nos reconhecer e dar a ver aquilo que já conhecemos mas ainda não tínhamos visto ou nomeado”, explica a docente. 

Desenvolvimento, pertencimento e acolhimento

Para além de ser um espaço propício para discussões literárias, os clubes têm outros papéis na vida de quem se propõe a participar: conhecer realidades não vividas e dores comuns.

Esse mergulho em outros universos - literários ou reais - criam a sensação de pertencimento e contribuem para o desenvolvimento dos leitores

“A leitura também nos desloca e quando um grupo se debruça sobre narrativas que lhe são estranhas, experimenta o exercício da alteridade, o encontro com o outro e com aquilo que não cabe em sua própria experiência”, explica a professora Júlia Costa. 

A mediadora do Leia Mulheres aponta que os participantes do clube sempre destacam a importância desses encontros mensais, principalmente devido ao contexto de individualismo propiciado pelas redes sociais, e que ela já ouviu relatos de integrantes transformados pela literatura.

Leia Mulheres Salvador / Instagram

Leia Mulheres Salvador / Instagram


“A matéria-prima da literatura é a vida, são as vidas, são as histórias das pessoas. E as histórias das pessoas, inevitavelmente, tocam em nossas histórias. Então as pessoas têm um espaço de partilha e de escuta. Elas não só são escutadas, mas elas também escutam outras narrativas que as tocam, né? Então, é um espaço de escuta, é um espaço de partilha, é um espaço de aprendizagem, é um espaço de conhecer outras pessoas”, destaca Ilmara Fonseca. 

Daniela Onnis, participante do clube do livro, conta que a experiência da leitura em grupo e de ter um espaço para o compartilhamento de aspectos da vida contribui significativamente na vida dela. 

“A troca nos encontros do clube é sempre muito intensa. Até mesmo quando a maioria não gostou do livro, a discussão é sempre boa, leva a reflexões, questionamentos. A gente aprende a olhar as coisas a partir de outros pontos de vista e nunca sai do encontro do mesmo jeito que chegou”, diz Onnis.

Essa troca gera transformações e são espaços de escuta, é que aponta a professora Júlia Costa e os 87%, entre leitores e não leitores, que afirmam que a leitura traz conhecimento, segundo a pesquisa. 

“Assim, clubes de leitura, saraus, slams, projetos literários comunitários e bibliotecas populares se tornam também espaços de criação, onde a escuta e o diálogo podem vir a gerar outras escritas e outras produções poéticas. A literatura, nesse sentido, se amplia e se torna também, além de uma prática cultural, uma prática social e política: um instrumento de formação cidadã, de encontro, de criação e de transformação”, conclui a docente da UFBA.