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Três Graças: Cena de Viviane com Leonardo amplia reflexão sobre representatividade trans

Capítulo exibido na noite desta terça-feira repercutiu entre os internautas

Por: Gabriel Pina

26/11/202506:00

Foi ao ar, na noite desta terça-feira (25), uma cena emblemática da novela “Três Graças”, exibida na faixa das 21 horas da TV Globo. A personagem Viviane, interpretada pela talentosa atriz Gabriela Loran, uma farmacêutica que se envolve com Leonardo (Pedro Novaes), filho do vilão da trama, o poderoso Santiago Ferrete (Murilo Benício), contou ao amado que ela é uma mulher trans. Entretanto, o rapaz não reagiu bem a notícia e deu um verdadeiro show de transfobia contra Viviane. Na cena, Leonardo até mesmo desrespeitou os pronomes da personagem, quando inclusive a chama de monstro.

personagem viviane, mulher com cabelos cacheados louros e usando vestido vermelho
Foto: Reprodução/TV Globo

A cena desperta a reflexão, com forte impacto, de uma realidade já enfrentada por diversas pessoas trans no país, No entanto, a forma com que a violência ganhou força na trama, acende um debate sobre a forma com que as pessoas trans são representadas na teledramaturgia brasileira, as colocando em uma espécie de restrição, onde seus personagens são baseados exclusivamente na experiência trans.

Confira um trecho:

Imagens: Reprodução/TV Globo

Para a professora do Centro de Formação em Artes e Comunicação (CFAC), da Universidade Federal do Sul da Bahia, Dodi Leal, o tema é ainda mais complexo, e parte de uma análise mais profunda, uma vez que essa redução também atinge a população trans em outros contextos.

“A experiência trans sempre extrapola. Ela nunca é isolada. Mesmo quando nos colocam para falar ‘apenas’ sobre ser trans, atravessamos aquilo com outras dimensões — afetivas, sociais, subjetivas, políticas.  E, ao mesmo tempo, quando tratamos de temas considerados universais, como amor, trabalho ou vida social, também somos frequentemente reduzidas à condição trans, mesmo quando não partimos dela”, reflete. 

Reprodução/GloboPlay

Reprodução/GloboPlay


“Mesmo quando a narrativa escrita para a personagem é estritamente centrada na experiência trans, não existe forma de restringir um artista ao estigma. O talento sempre escapa. A própria Gabriela Loran demonstra isso: a personagem dela, e ela enquanto atriz, são muito maiores do que a temática trans do roteiro. Isso acontece porque nenhuma experiência, tampouco a trans, consegue ser capturada numa única camada. A arte sempre expande”, destaca a professora.

 

Popularidade da personagem Viviane

É justamente a profundidade da personagem que tem feito com que a mesma conquiste cada vez mais o público. Nas redes sociais, clipes e edits com a Viviane têm viralizado, a exemplo do X (antigo Twitter), na qual posts dos internautas torcendo pelo sucesso de Vivi ganham os trending topics durante a exibição do folhetim.

Além disso, segundo informações de bastidores, durante uma reunião da cúpula da TV Globo, para discutir o balanço da novela ao longo do primeiro mês de exibição da trama, a personagem foi apontada como uma das mais queridas pelo público.

“A recepção tem autoridade sobre a obra. O público cria expectativa, produz sentidos, reage, tensiona e participa ativamente da construção ficcional. Quando as pessoas que assistem começam a cobrar amplitude, profundidade e pluralidade para personagens trans, elas influenciam o mercado e transformam a forma como essas histórias são escritas. A recepção ativa faz diferença. Ela desloca o padrão”, aponta.

 

 

Arte complexa

Apesar do sucesso da personagem ser motivo de celebração, a representatividade de pessoas trans na teledramaturgia ainda é um tema a ser debatido e pensado, não só pelo público, mas também pelos profissionais envolvidos na produção das novelas

“Os profissionais que ocupam cargos de decisão precisam, antes de tudo, ampliar o olhar e deixar de estigmatizar a experiência trans. Mas não basta só conscientização: é fundamental que haja pessoas trans nesses próprios cargos de decisão”, justifica.

“Quando tivermos autoras e autores trans, diretoras e diretores trans, produtoras trans e equipes transcentradas, ou simplesmente equipes com presença trans real e qualificada em diferentes funções, veremos mudanças efetivas. A representação na tela depende diretamente de quem decide atrás dela”, acrescenta Dodi.

Neste sentido, a representatividade de pessoas trans nas novelas é ainda um dilema. Dessa forma, personagens como Viviane ampliam a possibilidade de que os papéis destinados a artistas trans ganhem mais profundidade para além das representações da vivência dessa população. 

Além disso, a comoção do público pela personagem abre espaço para que diretores, dramaturgos, escritores e outros profissionais que estão envolvidos na produção dos folhetins ampliem o leque de possibilidades em volta do enredo desses personagens dentro da teledramaturgia brasileira.