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Dalai Lama desafia China e reafirma sucessão no exílio

Líder tibetano afirma que sucessor nascerá em país livre e fora do controle chinês

Por: Iago Bacelar

07/07/202510:13

O Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano, completou 90 anos neste domingo (6), em uma celebração marcada por discursos políticos e apoio internacional. Durante a cerimônia em Dharamsala, cidade indiana onde vive em exílio desde 1959, o 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso, anunciou que seu sucessor será escolhido fora do território controlado pela China, conforme os rituais tradicionais do Tibete.

Dalai Lama desafia China e reafirma sucessão no exílio
Foto: Reprodução/Instagram @dalailama

Declaração reforça ruptura com controle chinês

Durante a comemoração no Complexo Tsuglagkhang, o Dalai Lama reafirmou que a reencarnação será conduzida segundo os costumes ancestrais do budismo. Em sua fala, destacou que o próximo líder espiritual do Tibete "nascerá no mundo livre". A declaração foi recebida como um desafio direto ao governo chinês, que insiste em controlar o processo de sucessão.

O evento reuniu milhares de devotos e monges, além de contar com a presença do ator norte-americano Richard Gere, que discursou em apoio ao líder. Gere declarou que "Sua Santidade pertence ao mundo. E pertence ao universo", ao lado de um bolo de nove andares e apresentações culturais.

China rejeita legitimidade de escolha fora de seu território

Pequim, que considera o Dalai Lama um separatista, respondeu rapidamente ao anúncio. O governo chinês reafirmou que apenas autoridades da China têm legitimidade para reconhecer a próxima encarnação, prometendo rejeitar qualquer sucessor indicado fora de seu território.

O posicionamento chinês levanta a possibilidade de duas lideranças concorrentes, como apontou o próprio Dalai Lama em entrevista anterior. Ele afirmou que "se for observado o surgimento de dois Dalai Lamas, um daqui, em um país livre, e outro escolhido pela China, ninguém respeitará o segundo".

Índia e Estados Unidos reforçam apoio à tradição tibetana

A comemoração dos 90 anos também teve forte conteúdo diplomático. O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, classificou o Dalai Lama como "um símbolo duradouro de amor, compaixão e disciplina moral". Já o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, destacou que o líder espiritual continua inspirando com sua mensagem de paz e unidade.

Esse apoio tem desdobramentos estratégicos. A Índia abriga mais de 100 mil tibetanos e o próprio Dalai Lama. Já os Estados Unidos aprovaram, em 2020, a Lei de Política e Apoio ao Tibete, que assegura o direito do líder espiritual de escolher seu sucessor e prevê sanções a autoridades chinesas que tentarem interferir no processo.

Ritual tradicional da reencarnação será mantido

No budismo tibetano, o processo de sucessão não ocorre por herança ou eleição. O Dalai Lama é considerado a reencarnação do Bodhisattva da Compaixão. Após sua morte, monges iniciam um período de luto e realizam rituais em locais sagrados, como o lago Lhamo Latso, em busca de visões sobre o local de nascimento do sucessor.

A identificação da nova reencarnação inclui testes simbólicos, como o reconhecimento de objetos pessoais. Tenzin Gyatso foi identificado dessa forma em 1937, aos dois anos de idade, e garantiu que o mesmo procedimento será seguido.

Precedente do Panchen Lama aumenta desconfiança sobre China

A escolha do próximo Dalai Lama também é cercada por receios diante de experiências anteriores. Em 1995, o atual líder espiritual reconheceu um menino como Panchen Lama, a segunda figura mais importante do budismo tibetano. Dias depois, o garoto foi sequestrado pelo governo chinês e nunca mais foi visto. Em seu lugar, Pequim impôs outro menino, não reconhecido pela maioria dos budistas.

Esse episódio reforça os alertas sobre uma possível manipulação da reencarnação do Dalai Lama. Autoridades chinesas já indicaram a intenção de usar a urna dourada, método de seleção da época imperial, para legitimar sua versão da sucessão.

Tensão geopolítica e disputa religiosa marcam o cenário

A disputa pela sucessão do Dalai Lama representa um ponto de tensão geopolítica envolvendo Índia, China e Estados Unidos. Especialistas alertam que a nomeação de dois líderes paralelos poderá gerar consequências diplomáticas e religiosas relevantes no cenário internacional.

Enquanto isso, Gyatso garantiu estar em boas condições de saúde e declarou intenção de viver até os 130 anos. Ainda assim, o debate sobre seu sucessor já está em curso, reacendendo o conflito entre tradição espiritual, identidade tibetana e controle político regional.