Festival de Cinema em Salvador reúne vozes femininas e dissidentes no centro das telas
Curadoria diversa busca equidade em festival que exibe vozes hoje silenciadas
Por: Iago Bacelar
13/07/2025 • 09:52
O 8º Festival Lugar de Mulher é no Cinema vai acontecer em Salvador entre os dias 23 e 27 de julho, com o objetivo de romper silêncios, dar visibilidade a mulheres e pessoas não-binárias e homenagear vozes que transformam o audiovisual.
Programação e homenagens
O evento será realizado em espaços como o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) e o Centro Boca de Brasa, com exibições gratuitas, oficinas, masterclasses, rodas de conversa e a cerimônia de abertura com o Prêmio Sol Moraes. A cineasta e performer Rastricinha Dorneles, primeira mulher transexual a receber a honraria, declara:
“O audiovisual é capaz de provocar uma mudança de imaginário que dá a chance para uma travesti permanecer viva”
Ela lembra que, quando criança, um professor afirmou que ela “seria no máximo uma caixa de supermercado”. Isso a levou a se emocionar com a homenagem no festival, que celebra a luta por espaços ainda negados. A atriz Neusa Borges, com 68 anos de carreira, será também homenageada. Ela afirma que “tem horror da mulher ser sempre inferiorizada em tudo o que faz pelo homem” e acredita que, apesar do sucesso em novelas e prêmios, ainda sente exclusão. Ela termina refletindo:
“Quem sabe um dia as coisas ficam iguais, não é?”
Filmes em destaque
O festival apresenta três mostras competitivas:
Luas
Compõe curtas de mulheres e dissidências, abordando ancestralidade, corpo, resistência e memória. As obras vêm de várias regiões do Brasil, com narrativas sobre pertencimento e força coletiva.
Raízes
Reúne curtas baianos que exploram vivências negras, indígenas, femininas e populares, com locações em Salvador, sertão e outros territórios da Bahia.
Matinê
Voltada a crianças e jovens, exibe obras nacionais e internacionais que valorizam a infância e a imaginação. Entre os filmes, o curta A Menina que Queria Voar, de Taís Amordivino, que conta:
“Foi um exercício de resgate da minha própria infância”
Taís, nascida no bairro do Cabula, explica que quis filmar o mundo com os olhos da personagem Lila, despertando identificação e sonho até nos que não se veem com frequência nas telas.
Cinema e política
O festival também discute o caráter político das narrativas. A diretora Clara Campos, codiretora do curta Retrato Tumbalalá, fala sobre a origem do filme:
“Isso me dá força para seguir no caminho do cinema independente”
Ela conta que a obra surge de uma imersão no sertão nordestino, onde se conectou com suas raízes indígenas, e que a Escola Jurema, projeto de comunicação itinerante com Bianca Bomfim, nasceu disso.
Bianca, codiretora do filme que retrata lutas da Aldeia Indígena do Pambu, afirma:
“O cinema é um mundo machista”
Ela denuncia a substituição de mulheres competentes por homens alfa nos festivais e destaca o festival como espaço de debate e construção de novas narrativas.
Curadoria plural
A diretora executiva Day Senna destaca que o festival busca equidade por meio de uma curadoria com diversas visões. Segundo ela, a equipe inclui pessoas cis, trans, não-binárias, negras, indígenas, brancas, e de contextos urbanos e rurais. Day explica:
“Isso faz com que cada uma se coloque no lugar do outro e leve para a curadoria um pouco do que são, do que vivem e respiram”
Essa diversidade, afirma, torna a seleção mais representativa, refletindo múltiplas perspectivas e resgatando histórias invisibilizadas.
Impacto e relevância
O festival busca transformar o audiovisual, colocando mulheres e dissidências no centro das telas. Para Rastricinha, a homenagem representa quebra de muros que silenciaram travestis. Para Clara e Bianca, permite que o cinema seja ferramenta de luta e de reconstrução de imaginários. Para Neusa, sinaliza que ainda há resistência para inclusão real no mercado artístico.
Taís acredita que as produções valorizam experiências de infância que muitas vezes são invisíveis. Day conclui que o festival cria oportunidades de debate, dramaturgia e representatividade, contribuindo para uma indústria mais democrática.
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